De Jordaens e as orgias

Allegory of Fertility (Jacob Jordaens, 1623)

Allegory of Fertility (Jacob Jordaens, 1623)

“Os pés de Jordaens quase nunca abandonaram o solo de Flandres. Seus olhos quase nunca ultrapassaram o espaço opalino de Antuérpia. Quase nunca viram outra coisa além do vaivém dos navios através da bruma luminosa, sobre o rio lodoso, e os produtos do mar e dos campos que se vendiam no mercado. Suas telas são um amontoado de vivas espessuras. Sua confusão é uma força. Um ritmo pesado dá às suas orgias santas um tom de enorme alegria que atinge a ideia geral e o simbolismo inconsciente. Tudo bebe e come, todas as bocas estão abertas, e também as narinas, os olhos, as gargantas. Os cães, os gatos, as galinhas vagueiam entre os comilões, abocanhando, bicando, lambendo debaixo da mesa os ossos caídos, os molhos derramados, a cerveja e o vinho entornados. As carnes têm a espessura de abóboras abertas, a gordura humana forma pregas roliças como salsichas, a pele das mulheres é quente como os flancos das sopeiras, as mãos sopesam-lhes os peitos com os cachos de uvas das cestas, os cobres e as caretas dos beberrões reluzem, o estalar dos lábios, as palmadas nas coxas acompanham o ritmo do gluglu das garrafas. As pessoas cantam tamborilando nos copos, batendo nas cafeteiras com suas tampas metálicas, e os borborigmos alimentados pela comilança somam-se à gritaria dos bebês indecentes no coro obstinado dos bêbados e das comadres. Tudo são regabofes, libertinagem e orgias, das quais um velho fauno inocente de rosto rutilante, couro arrepiado e entranhas borbulhantes participa tão logo transpôs o limiar das casas flamengas, quando por elas abandonou o vasto poema dos campos, a ampla nudez de uma mitologia menos herética do que se pensa, os dorsos, os ventres rebrilhando na luz, os membros robustos das mulheres que ordenham os pesados úberes das cabras no meio das folhagens, das parreiras e das fainas do campo”.

FAURE, Èlie. A Arte Moderna.

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