“Este quadro de Kelly (escolhido a puro título de exemplo entre os muitos possíveis) tem o caráter de uma demonstração científica sobre o processo da percepção e, em particular, sobre os patterns visuais. Pattern significa esquema ou estrutura; na terminologia da psicologia da percepção, corresponde à estrutura do complexo fisiológico e psíquico (ótico e mental), em que se formam e se enquadram as sensações visuais, não mais concebidas como dados brutos para uma posterior elaboração mental, mas como estados completos de consciência.
O quadro em exame é um plano vermelho sobre o qual se destacam dois recoretes iguais e paralelos, um azul e um verde. São três cores que se furtam aos esquemas normais da relaão e não podem formar um conjunto tonal; com efeito, a primeira impressão é a de um choque visual, porque cada cor sugere uma profundidade diferente, sendo obrigadas a ficar no mesmo plano, isto é, a se situar no mesmo campo visual com valores iguais. Como o quadro é uma realidade objetiva com a qual devemos estabelecer uma condição de equilíbrio, nosso sistema percepetivo deve realizar algumas operações de ‘ajuste’, consistindo em supor ou imaginar tons intermediários, cuja média reconstrua o equilíbrio e a simetria do campo em nossa mente. O estudo dessas cores presumidas ou imaginárias, com as quais o sistema ótico-mental elimina os traumas da percepção, deve-se especialmentea os italianos M. Ballocco e M. Nigro.
A análise desses ‘ajustes’ é importante por demonstrar a capacidade do homem-sujeito em compensar os desequilíbrios e pôr-se em sintonia com o ambiente-objeto. Não se trata apenas de compensação: com efeito, parece profícuo aumentar as causas do trauma visual para estimular as capacidades de compensação do sistema a fim de aumentar, assim, a gama dos valores perceptíveis (como, por exemplo, as cores além do espectro ou, em acústica, os ultrassons). Dada a sua capacidade estimular reações psíquicas imediatas, entende-se por que os traumas visuais produzidos artificialmente são usados em larga escala na publicidade ou na sinalização viária, ou seja, a cada vez que se pretenda obter uma pronta resposta da mente perceptiva a um sinal visual.
O estudo dos mecanismos perceptivos, por meio dos quais o olho fabrica imagens coloridas para equilibrar os contextos do visto ou para atenuar o impacto das sensações, foi amplamente desenvolvido por Goethe em sua Farbenlehre [teoria das cores] e retomado pela Gestaltpsychologie, como fundamento da tese da identidade entre percepção e imaginação. O problema foi estudo experimentalmente por alguns pintores contemporâneos (Veronesi, Ballocco, Nigro).”
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna.