A aldeia global e a música moderna japonesa

IBM for Merce Cunningham and Music for Electric Metronome (Toshi Ichiyanagi, 1960-1963)

IBM for Merce Cunningham and Music for Electric Metronome (Toshi Ichiyanagi, 1960-1963)

“Em abril passado, no Havaí, perguntei a Tohru Takemitsu o que é que Maki (sua filha de três anos) pensava sobre os Estados Unidos. Ele disse: ela pensa que é uma outra parte do Japão. Visitando Hamada em Machiko, eu esperava, fugindo da rotina, encontrar coisas especificamente japonesas. Hamada mostrou vasos, objetos e móveis de toda parte do mundo – Espanha, México, China, Arizona. A música se encontra, no Japão, na mesma situação que nos Estados Unidos e na Europa. Vivemos numa aldeia global (Buckminster Fuller, Marshall McLuhan). Maki é que está certa.

Uma das coisas que sabemos hoje em dia, é que algo que acontece (tudo), pode ser experienciado, por meio da técnica (eletrônica), como outra (qualquer outra) coisa (acontecimento). Por exemplo, gente entrando e saindo de elevadores e os elevadores andando de um andar para outro: essa ‘informação’ pode ativar circuitos que levam aos nossos ouvidos uma concatenação de sons (música). Talvez você não concordasse que o que você ouviu era música. Mas, nesse caso, outra transformação teria ocorrido: o que você ouviu levou sua mente a repetir as definições de arte e música que se encontram em dicionários obsoletos. (Mesmo que não tenha pensado que aquilo era música, você teria de admitir que o recebeu através dos ouvidos, não através dos olhos, nem o sentiu com as mãos, nem andou por dentro da coisa. Talvez tenha andado: a arquiteturalidade da música é hoje uma possibilidade técnica e um fato poético).

Se essa música elevador-gerada tivesse sido ouvida, que música moderna japonesa teria ela sido? Quem entre os seguintes (Yori-aki Matusdaira? Yuji Takahashi? Joji Yuasa? Tohru Takemitsu? Takehisa Kosugi? Toshi Ichiyanagi?) teria feito dessa possibilidade uma realidade (uma música que logo ouviremos, estejamos em Tóquio, Nova York, Berlim ou Bombaim?).

Toshi Ichiyanagi. Durante minha recente visita ao Japão, ouvi fitas gravadas com músicas de todos os compositores que mencionei, exceto Kosugi. O trabalho de Kosugi eu vi no Centro de Artes Sogetsu. (Sua música está vestindo roupas de teatro e usando-as de uma forma que redignifica ambas as artes). E em abril, no Centro Leste-Oeste no Havaí, eu estive com Takemitsu. Todos esses compositores nos interessam, e mais do que os europeus, porque eles me dão mais liberdade à audição. Eles não usam sons que me levam a ouvir o que ão quero. Todavia, todos eles se vinculam (suas ideias, seus sentimentos, o acidente de que são japoneses) aos sons que fazem. Menos Ichiyanagi. Ichiyanagi encontrou vários meios eficientes de libertar sua música das barreiras de sua imaginação. Numa peça chamada Distância, ele pede aos executantes que subam numa rede acima do auditório, tocando de lá instrumentos que estão lá embaixo, no chão. Essa separação física conduz a uma técnica de execução desusada, que associa os sons, da maneira natural como eles aparecem nos campos, nas ruas, nas casas e nos edifícios. Num quarteto de cordas chamado Nagaoka, Ichiyanagi pede aos músicos que passem o arco onde normalmente dedilham, e dedilhem onde se passa o arco. Isso é milagroso, produzindo uma música que não faz o ar em que ela está nem um pouco mais pesado do que já era. E com a ajuda de de Junosuke Okuyama (um cara que, se o Senhor conhecesse bem o seu serviço, deveria ter multiplicado e colocado em todos os estúdios de música eletrônica do mundo), Ichiyanagi fez vários trabalhos úteis: Música Vital, Mixagem sobre Tinguely, Pratyahara. Estas peças (só ouvi as duas primeiras recentemente) são tão chocantes e intermináveis quanto os serviços e meditações budistas. Mas, como tantas outras coisas e experiências desagradáveis são boas para nós. Por quê? Porque, se não nos pouparmos, mas realmente nos acomodarmos à ideia de suportarmos a sua experiência, vamos descobrir mudanças em nossos ouvidos e nossas vidas, não de forma a nos obrigar a recorrer a Ichiyanagi (ou, por isso, ao Japão) para obter ‘o som nosso de cada dia’, mas de maneira a nos qualificar, a cada momento (não importa onde vivamos), para fazer nossa própria música. (Não estou falando de nada especial, só de ouvido aberto, mente aberta e saber apreciar os ruídos diários).

Neste mutável mundo musical, o Japão não está menos centralmente colocado do que qualquer outro país. Tendo os compositores e a assistência técnica que têm, está populado mais afortunadamente do que a maioria.”

CAGE, John. De Segunda a um Ano.

Leave a comment